Regular a Internet é necessário. Desafio é como e por onde começar, dizem especialistas
Falar em regulação do ambiente digital não parece ser mais um tema de controvérsia. Mas a forma de promover essa regulação, e os limites a ela, ainda é um campo de debate muito aberto e longe de consenso. Esse foi um dos principais aspectos evidenciados no seminário “Novos desafios regulatórios do ecossistema digital”, organizado pelo Centro de Políticas, Direito, Economia e Tecnologias de Comunicações da Universidade de Brasília (CCOM/UnB).
“A dificuldade começa com a definição do que seja o ecossistema digital. Hoje, tudo é digital”, pontuou Demi Getschko, decano da Internet no Brasil e membro do Comitê Gestor da Internet há décadas. “Se existe algo em que o Brasil surgiu como exemplo foi no seu modelo de governança, e isso precisa ser preservado”, diz ele sobre o modelo multissetorial de gestão do CGI. Mas ele entende que hoje o item 7 do decálogo da Internet elaborado pelo CGI há 24 anos, e que trata da inimputabilidade da rede, hoje precisa ser visto com cuidado. “Quando uma pessoa manda uma mensagem para outra, é evidente que a plataforma não tem nenhuma responsabilidade por isso. Mas quando a plataforma diz para uma terceira pessoa ‘veja uma mensagem que pode te interessar’, existe uma responsabilidade”, diz Getschko.
Na mesma linha vai João Brant, secretário de políticas digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. “Um concessionário de uma estrada não é culpado por todos os acidentes, mas isso não o impede de ser regulado quanto à instalação de guard-rails, sinalização e conservação da estrada”, compara.
Para Roberto Franco, diretor de assuntos institucionais do SBT, o Brasil está atrasado na discussão. “Existe sempre um ponto em que é cedo regular, mas existe um ponto em que se perdem oportunidades importantes. Não podemos perder o momento. A Internet em si não precisa ser regulada, ela pode ser anárquica, mas as aplicações, os serviços OTT, precisam ser regulados tanto quanto qualquer outro serviço relevante”, diz ele. O limite da relevância, indica, é aquilo que faz da Internet uma ferramenta de comunicação de massas, e usa o percentual definido no modelo europeu: 10%. “Quem tem 90% de alguma coisa obviamente não pode ser considerado neutro”, diz ele, apontando ainda a questão da concentração vertical no mercado de publicidade. “O Google tem o controle os anunciantes, dos consumidores e da bolsa em que se compra e vende mídia”, diz ele. A “regulação deve se dar no limite dos impactos que os atores podem causar”, destacando a urgência da questão concorrencial.
Para a advogada e especialista em direito digital Ana Paula Bialer, do escritório BFA Advogados, é importante lembrar que a Internet é regulada hoje. “Existe o Marco Civil da Internet, a Lei Geral de Proteção de Dados, o Código de Defesa do Consumidor… São todas regras que se aplicam a empresas e ao ambiente da Internet, então ela já é regulada. O que não nos impede de entender onde existem questões relevantes que ainda precisam ser endereçadas, mas essa regulação não pode ser casuística, sobre uma ou outra empresa”. Para ela, também não se deve provocar essa discussão tendo o modelo europeu, com o DAS e DMA, necessariamente como referenciais. “Isso aconteceu quando trouxemos o modelo do GPDR europeu (para a proteção de dados) e vimos que a realidade brasileira é bem diferente. A discussão sobre um modelo regulatório é necessária e meritória, mas ela precisa se dar de maneira equilibrada e com calma”, defende.
Já o advogado Fernando Neisser, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, diz que mesmo que todas as assimetrias e imperfeições do ambiente digital hoje fossem corrigidas, ainda assim seria necessário algum tipo de regulação, pelo potencial de dano que pode ser criado. “A gente regula também pela capacidade de risco sistêmico”, diz ele, o que é o caso da Internet, seja como espaço de manifestação de pensamento e opiniões, seja pelo espaço econômico que representa.
E ainda é preciso pensar que existe a dimensão da inteligência artificial, que é igualmente relevante, lembra Demi Getschko.
Fonte: Teletime