Regulação de plataformas divide opiniões em debate com Fazenda
A discussão sobre uma possível regulamentação das plataformas também está no foco do Ministério da Fazenda. Preocupado com impactos econômicos e concorrenciais no segmento, o órgão tem uma tomada de subsídios até 2 de maio sobre regulação de big techs. Nesta terça, 24, a Fazenda promoveu o Seminário Plataformas Digitais em Brasília, que foi palco de divergências entre os atores políticos e econômicos.
Secretário de reformas econômicas da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto observou que o tema da competição em mercados digitais foi um dos primeiros discutidos com ele com o ministro da pasta, Fernando Haddad. Desde então, o ministério tem buscado ouvir a sociedade sobre o tema, mas vislumbra desafios, afirma.
Entre eles, os temas clássicos de competição e regulação, a dinâmica do mercado de “múltiplos lados”, a expansão muito rápida de serviços e dependência crescente da economia de alguns serviços online. Outro dilema é diferença entre o modelo ex post de regulação usado nos Estados Unidos e o ex ante, da União Europeia.
Cade
Já o conselheiro do Cade, Victor Fernandes, disse no debate que, apesar do Sistema Brasileiro da Defesa da Concorrência ser bastante avançado em diversos aspectos, isso não significa que a lei não possa ser complementada “com ferramentas adicionais que possam garantir intervenções mais proativas” em determinados casos.
O conselheiro do Cade também afirmou que existem falhas no ecossistema digital. “Nós observamos uma lógica de criação e captura de valor a partir da organização de orquestradores de ecossistemas que podem levantar gargalos concorrenciais que não eram perceptíveis de forma muito clara em cadeias econômicas verticalizadas”, disse Fernandes, defendendo que existem sim pontos para uma complementação da moldura antitruste tradicional com instrumentos de regulamentação concorrencial do tipo ex ante.
Segundo ele, um desses pontos abarcaria danos que o “super concentrado” mercado digital poderia gerar na forma de diminuição da qualidade e inovação, bem como no aumento de riscos à privacidade e captura excessiva de dados.
Cadeia digital
Já representantes do setor de plataformas entendem que não é necessário ter pressa na regulamentação das big techs no País, pois o Brasil teria instituições fortes e uma Lei Antitruste à frente de outras nações.
“Nós não estamos respondendo a nenhuma emergência. E isso já é um sintoma da qualidade da legislação que temos hoje e da forma como essa consegue atender as necessidades concorrenciais e regulatórias que nós temos”, disse Igor Luna, coordenador do comitê jurídico da Câmara Brasileira da Economia Digital (camara-e.net).
A camara-e.net representa, dentre outras, gigantes como Facebook, Google, Amazon, TikTok e o X. Raúl Echeberría, diretor-executivo da Associação Latino-Americana de Internet (ALAI), foi além: o representante da entidade (também representante de empresas digitais globais) disse que o Brasil não deve importar o Digital Market Act (DMA) – lei de mercado digital europeu que regula plataformas no principal bloco econômico do mundo, aprovada no ano passado.
“Francamente, não acho que a abordagem europeia seja o modelo a se copiar aqui. A Europa está muito perto de perder a corrida no desenvolvimento tecnológico e de inovação, precisamente devido ao excesso de regulamentação e de regulamentações erradasque desencorajam a inovação e o desenvolvimento tecnológico”, disse Raúl Echeberría.
Para Igor Luna, é necessário ter cautela na regulamentação de plataformas digitais. Isso porque, segundo afirmou, isso pode restringir a inovação e impactar negativamente não apenas a qualidade do serviço prestado, mas também o preço.
A deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), relatora do projeto de lei 2.768/2022 que trata da regulamentação das plataformas, por sua vez, concordou que não é possível “copiar e colar outras legislações no Brasil”.
Ela justificou essa fala dizendo que o País tem uma cultura diferente, bem como desafios particulares que não necessariamente são os mesmos enfrentados por outras nações. “Como a gente vai regular um mercado que é altamente dinâmico?”, questionou Ortiz.
Anatel
A Anatel, por outro lado, rebateu as críticas de que uma regulamentação possa frear o desenvolvimento de modelos de negócio no País. O órgão citou como exemplo as políticas adotadas pela agência no fomento do mercado de telecomunicações – em especial para a pulverização dos players de banda larga.
“A regulação não necessariamente prejudica a competição ou a inovação. Hoje a gente tem um ecossistema de empresas de telecomunicações desenvolvido, robusto e que de certa maneira traz muitos investimentos para o nosso País. Hoje a gente está exportando até empreendedor”, disse o superintendente de competição da Anatel, José Borges.
A Anatel também diverge da ideia defendida pelas representantes das big techs de que a Lei Antitruste brasileira é suficiente para lidar com os novos desafios trazidos pelas plataformas digitais. A Superintendência de Competição da agência, inclusive, reforçou esse posicionamento na contribuição enviada pelo órgão à consulta pública do Ministério da Fazenda sobre regulação de plataformas.
Modelagem
A Anatel é uma das cotadas como possível reguladora das plataformas. O superintendente aproveitou o espaço do debate para dizer que a agência vem sendo muito demandada sobre temas relativos ao ambiente digital. Borges falou ainda sobre “o papel ativo” da agência em assuntos como pirataria digital e, inclusive, desinformação em redes sociais.
Vale lembrar que, no PL 2.768/2022, a Anatel está prevista como o órgão regulador das big techs. Segundo texto do projeto em tramitação na Câmara, a agência tem “expertise muito próxima daquela requerida para a missão de regular plataformas digitais”. Essa visão da Anatel como reguladora das big techs é defendida por órgãos como o Ministério das Comunicações, mas questionada em parte por entidades – é o caso da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
Borges defendeu, no debate sobre plataformas, uma postura ex ante – como aquelas promovidas pela agência em regulamentações como o Plano Geral de Metas de Competição (PGMC). Esse arcabouço atribui regras mais brandas para empresas menores e carga maior de obrigações para grandes companhias no mercado de telecomunicações – a chamada “assimetria regulatória“.
Mas uma abordagem assimétrica no desenho regulatório das plataformas não é algo visto com bons olhos pelas big techs. No mesmo seminário promovido pela Fazenda, Echeberría afirmou que uma possível regulação brasileira deve ser universal e aplicada a todo o mercado, e não apenas a algumas empresas. “A regulamentação não deve ser discriminatória em nenhum sentido“, disse o diretor-executivo da ALAI. (Colaborou Henrique Julião)
Fonte: Teletime