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Mudança climática dobrou a probabilidade de ocorrência de chuvas extremas no Sul do Brasil - Consecti

Mudança climática dobrou a probabilidade de ocorrência de chuvas extremas no Sul do Brasil - Consecti

Notícias
04 junho 2024

Mudança climática dobrou a probabilidade de ocorrência de chuvas extremas no Sul do Brasil

As chuvas intensas que atingiram o Rio Grande do Sul e causaram inundações e deslizamentos com destruição sem precedentes foram duas vezes mais prováveis devido às mudanças climáticas. Segundo o estudo rápido de atribuição de causalidade, publicado nesta segunda-feira (3), o fenômeno El Niño contribuiu amplamente para a intensificação das chuvas no período entre 26 de abril e 5 de maio. A análise foi realizada por 13 cientistas climáticos da World Weather Attribution (WWA), incluindo dois brasileiros. O trabalho foi revisado por pares. Participaram cientistas de universidades, organizações de pesquisa e agências meteorológicas do Brasil, Holanda, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos.

De acordo com boletim da Defesa Civil do Rio Grande do Sul desta segunda-feira (3), 172 mortes foram registradas e 42 pessoas seguem desaparecidas em decorrência das chuvas do início de maio. Aproximadamente 580 mil pessoas foram desalojadas e pouco mais de 37 mil ainda estão em abrigos. Dos 497 municípios gaúchos, 475 foram afetados pelas chuvas, ou seja, 95%. A área atingida é equivalente ao território do Reino Unido.

Para compreender o efeito do aquecimento global antrópico, causado principalmente pela queima de combustíveis fósseis, sobre as chuvas no estado gaúcho, os cientistas analisaram dados meteorológicos observados e modelos climáticos que possuem melhor ‘destreza’ para avaliar o clima na região Sul do Brasil.  O estudo caracterizou as condições meteorológicas e climáticas vigentes entre 26 de abril e 5 de maio de 2024. Foram avaliadas a probabilidade e a intensidade de fortes chuvas consecutivas em períodos de dez e quatro dias, incluindo a relação com o fenômeno El Niño. Eles compararam o clima atual, que está 1,2°C mais quente considerando a temperatura média global da superfície, com o clima pré-industrial.

De acordo com o estudo, o evento de fortes chuvas foi “extremamente raro”, sendo algo esperado que ocorra uma vez a cada 100 e 250 anos no clima atual. Contudo, sem o aquecimento global, teria sido ainda mais raro. “A probabilidade desses eventos aumentou em um fator de 2, com um aumento de intensidade de 6% a 9%”, relatou o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e autor do estudo, Lincoln Alves, durante a apresentação dos resultados.

A tendência de continuidade de aquecimento, indica que eventos extremos se tornarão mais frequentes e destrutivos. A análise mostra que se a temperatura média global aumentar em 2oC, comparada com os tempos pré-industriais, eventos de precipitação semelhantes podem ser duas vezes mais prováveis do que são hoje.

El Niño – A influência do El Niño também foi analisada. Um dos impactos desse fenômeno natural, que aquece parte das águas superficiais do Pacífico tropical, é o aumento de chuvas no Sul do Brasil. A região já havia sido impactada com fortes chuvas em setembro e novembro do ano passado durante o ápice do fenômeno.

Os pesquisadores confirmaram que o El Niño desempenhou um papel importante no evento extremo registrado no Rio Grande do Sul. Nas observações realizadas, em comparação com uma fase neutra, o atual El Niño resultou em um aumento consistente em todos os conjuntos de dados e para os eventos de 4 e 10 dias consecutivos de chuvas.

“As condições de El Niño resultaram em um aumento de três vezes na probabilidade e um aumento de 7% na intensidade desses eventos em comparação com condições neutras”, afirmou Alves. “Ambos os fatores [mudanças climáticas e El Niño] tiveram um fator decisivo para aumentar a magnitude e intensidade. Não tem como separar os impactos”, concluiu.

Segundo a pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e autora do estudo, Regina Rodrigues, entre o final de abril e início de maio, apesar de o El Niño apresentar sinais de enfraquecimento nas temperaturas superficiais no Pacífico, os impactos na atmosfera continuaram. Rodrigues lembrou de evento semelhante que ocorreu em julho de 1983 em Santa Catarina.

A pesquisadora destacou ainda que, desde 2014, não houve anos neutros, havendo revezamento entre La Niña, resfriamento das águas do Pacífico, e El Niño. “Isso é típica influência da mudança climática no ciclo ENSO [El Niño-Southern Oscillation]. Múltiplos anos de La Niña e El Niño mais forte”, explicou a pesquisadora. “As mudanças climáticas estão ampliando o impacto do El Niño no Sul do Brasil, tornando um evento extremamente raro mais frequente e intenso”, afirmou.

Redução de emissões e adaptação à mudança do clima – Os pesquisadores alertaram para que autoridades reconheçam que o clima já mudou e para a necessidade de medidas efetivas de redução de emissões de gases de efeito estufa e de adaptação à mudança do clima. “O impacto devastador de tais eventos extremos nos sistemas humanos só pode ser minimizado com adaptação suficiente, incluindo infraestruturas de proteção contra inundações bem conservadas e planeamento urbano adequado”, afirmou Rodrigues.

Análise dos últimos 60 anos mostram que houve alterações nas tendências de precipitaçãotemperatura número de dias com ondas de calor no Brasil. “Este estudo de atribuição confirma que as atividades humanas contribuíram para eventos extremos mais intensos e frequentes, destacando a vulnerabilidade do país às alterações climáticas. É essencial que os decisores e a sociedade reconheçam esta nova normalidade”, disse Alves.

Na avaliação do coordenador-geral de Ciência do Clima do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Márcio Rojas, o estudo de atribuição sobre o episódio no Rio Grande do Sul reitera que a mudança do clima é uma “preocupação do presente”. “Já estamos lidando com as consequências de um mundo 2oC mais quente quando comparado com o período pré-industrial. Investir em mitigação e em adaptação é imprescindível para pouparmos vidas, preservarmos infraestruturas e contermos perdas econômicas as mais diversas”, afirmou.

Sobre a WWA – A World Weather Attribution é uma colaboração internacional que analisa e comunica a possível influência das mudanças climáticas em eventos climáticos extremos, como tempestades, chuvas extremas, ondas de calor e secas. O grupo executou mais de 70 estudos sobre eventos climáticos extremos em todo o mundo. O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) incluiu pesquisas da WWA no Sexto Relatório de Avaliação.  No ano passado, o grupo analisou a seca histórica na Amazônia e concluiu que a mudança do clima deixou o fenômeno 30 vezes mais provável.

Acesse a íntegra do estudo neste link.

Fonte: MCTI