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Hartmut Glaser: O multissetorialismo falhou ao não ensinar a tirar as pedras do caminho - Consecti

Hartmut Glaser: O multissetorialismo falhou ao não ensinar a tirar as pedras do caminho - Consecti

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02 maio 2024

Hartmut Glaser: O multissetorialismo falhou ao não ensinar a tirar as pedras do caminho

Dez anos atrás, quando o NetMundial foi realizado em São Paulo, o momento político era totalmente diferente do de agora. Era pós-escândalo com as revelações de Edward Snowden; o Marco Civil da Internet estava praticamente aprovado pelo governo e com a expectativa de ter a homologação na abertura do evento, o que acabou acontecendo; e, além disso, enfrentava-se o problema da transição dos nomes de domínios, das funções da Autoridade para atribuição de números na Internet (IANA). Assim, Hartmut Glaser, secretário-executivo do CGI.br, definiu o cenário que havia no Brasil e no mundo quando a primeira edição do evento multissetorial ocorreu em 2014.

Em entrevista, Glaser fez um balanço dos dez anos do Marco Civil da internet, avaliou a década que separa a realização dos dois eventos NETmundiais em São Paulo e disse que não está de saída do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) — pelo menos por agora.

“O Marco Civil, obviamente, foi uma vitória muito grande. Ele foi aprovado, conseguimos, realmente, uma referência internacional que nós levamos, principalmente, para os IGFs todos. Então, o Marco Civil, baseado no nosso Decálogo do CGI, que também levou  quatro, cinco anos para aprovar, amadureceu, explodiu e deu toda essa visibilidade. Olhando agora para 2014, a gente diria que um probleminha que surgiu depois de 2014, que o roadmap que era um caminho para ensinar a implementação do modelo multissetorial não funcionou. O documento está aprovado, fez parte do lançamento no fim do nosso evento naquela época, mas, se a gente olhar bem, não funcionou”, analisou.

Na avaliação de Glaser, faltou ensinar como tirar as pedras do caminho. “Quando você tem uma proposta, geralmente, o professor pega o aluno pela mão. É alguém, que já passou pela experiência, ensinar”, apontou, assinalando que a ideia inicial proposta por Fadi Chehadé, à época CEO da Icann — que organizou o NETmundial 2014 junto com o CGI — era que se seguisse o exemplo do Brasil no modelo multissetorial. Isso, na visão de Glaser, significou pular etapas. “Não foi tão rápido, até porque existe oposição. Existem países que não querem o modelo multissetorial, querem um modelo de governo, que é muito mais fácil”, explicou.

Novas tecnologias, novos desafios

O ano também marca a realização do WSIS+20 (World Summit on the Information Society) e do Pacto Digital Global (GDC). “O Global Digital Compact é um movimento da própria ONU, mas ele está muito mais centrado na sua própria estrutura do que tentar multiplicar o multissetorialismo. Então, eu diria que 2024 é uma reafirmação do valor que nós lançamos em 2014. Nós defendemos a posição que eram princípios; e princípios são princípios, não é para discutir todas as vezes, apesar de que a gente pode eventualmente criar uma ou duas ou três discussões adicionais. Um assunto que não existia na época que existia agora é a inteligência artificial”, reforçou.

No âmbito de IA, o secretário-executivo do CGI.br defendeu que se trata de uma ferramenta e que, daqui a alguns anos, surgirão outras. O que deve se manter é o princípio válido e multissetorialismo valendo. “Eu acho que sedimentou o nosso modelo e o Brasil continua sendo referência. A parte política não avançou como gostaríamos e pelo NETmundial nós queremos mostrar que: ‘pessoal, estamos vivos, o modelo funciona, vale a pena a gente conversar e trocar experiência, mas não vamos ficar remoendo o passado, vamos olhar para o futuro’”, disse.

A ideia do NETmundial, ressaltou Hartmut Glaser, é levantar uma bandeira, dar um alerta de que é preciso manter a voz multissetorial para barrar tentativas de não manter esse modelo. “O CGI tem 21 conselheiros, 12 não são do governo, portanto, a maioria; e a gente prefere — eu falei isso na minha abertura — o caminho mais lento. A internet aumenta de velocidade, mas o consenso continua na consulta até a gente chegar ao consenso e ter todo mundo apoiando. Esse é o segredo do multissetorialismo que muitos governos não conhecem, principalmente, os governos mais fechados”, enfatizou.

Neutralidade de rede 

Tanto o Decálogo quanto o Marco Civil da internet defendem a neutralidade de rede e agora a Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos (FCC, na sigla em inglês) votou pela restauração da neutralidade de rede no País. Glaser reafirmou a definição do conceito de que o meio não pode ser culpado de nada. “Você entra numa infovia, começa a tua viagem e vai chegar ao fim. Qualquer coisa que acontecer com a tua mensagem, com o teu e-mail, com o que você está fazendo, não pode ser influenciado pelo provedor. Eu acho que esse princípio é válido”, explicou.

A diferença é que, em 2014, não existiam tantas plataformas envolvidas. A crítica recente é que elas se beneficiam da infraestrutura e não pagam a conta, uma discussão que remonta o chamado fair share. Mas qual é a relação entre fair share ou uma contribuição justa (pagar por parte dos gastos da rede devido ao grande uso que fazem)? Para Glaser, a neutralidade de rede não tem nada a ver com isso. “Eu acho que não, apesar de algumas pessoas acharem que sim. Para mim a neutralidade de rede é você coloca em uma ponta e tem de chegar a outra ponta e não pode preferir nada”, defendeu.

“Você não pode onerar de uma forma diferenciada cada aplicação só porque o provedor está querendo talvez faturar ou usar de alguma forma privilegiada. Para mim, a neutralidade continua valendo como ela avalia dez anos atrás”, disse. Ele explicou que setorialmente ainda não foi discutida a relação de fair share e neutralidade de rede a fundo, mas reconheceu que se trata de discussão necessária.

De saída, não — Por fim, Hartmut Glaser explicou que não está de saída do Comitê Gestor, mas, sim, está preocupado com a sua sucessão. “Eu não coloquei o prazo à disposição, mas eu sei que está chegando a hora. Eu estou há 30 anos coordenando e a diferença é que eu ajudei a construir tudo. Quando você constrói algo, fica praticamente misturado com a própria estrutura, então, sair fica mais complicado e eu não estou vendo ainda como fazer essa transição sem uma ruptura”, esclareceu, acrescentando que não existe um prazo de mandato. “Meu legado é continuar. Não eu continuar, mas o modelo.”

Fonte: Convergência Digital