Brasil quer lugar na computação quântica, mas só tem R$ 60 milhões.Mundo investe R$ 240 bilhões
As ciências e tecnologias quânticas já são motivo de uma grande corrida tecnológica liderada pelos EUA e a China, e ao todo somam mais de US$ 42 bilhões investidos, cerca de R$ 240 bilhões. O Brasil quer participar e acredita que tem potencial,mas por aqui os investimentos são da ordem de R$ 60 milhões. Eles contrastam com uma pesquisa já em curso há 25 anos, grupos atuantes e uma primeira rede de testes montada. A discussão fez parte da 5ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia (5CNCT) reunindo líderes de pesquisas, que trouxeram sugestões para que o país não fique de fora dessa onda tecnológica.
O físico e assessor da Finep, Luiz Davidovich, mostrou que as tecnologias quânticas começaram a transformar o mundo ainda no século XX, com aplicação do laser à medicina, na ressonância magnética, em aparelhos de cd, câmeras digitais, leitores de código de barra e em transistores e circuitos especiais de computadores.
Neste século, os avanços se ampliaram no campo da fotônica quântica (exames de imagem), química quântica (diagnósticos rápidos e de baixo custo), desenvolvimento de novos materiais e abriram campo para a chamada de informação quântica. Em relação a estudos climáticos, surgiu uma nova geração de sensores quânticos para monitoramento ambiental e, em energias limpas, a possibilidade de células solares mais eficientes.
Também passaram a ser fabricados os computadores quânticos, despertando grande interesse dos pesquisadores pelas novas possibilidades relacionadas à simulação quântica, comunicação e criptografia quânticas, além da interface com a metrologia e os sensores quânticos. “Essas três linhas envolvem engenharia, desenvolvimento de software e suporte teórico, implicando numa forte colaboração entre físicos, químicos, matemáticos e engenheiros, além de uma revolução na educação, que já ocorre em outros países”, avalia Davidovich.
“O Brasil tenta acompanhar os avanços, deparando com o problema ainda geral da inovação no país: a necessidade de ampliar os recursos”, destaca o professor, que pondera que, apesar disso, o país desenvolveu estudos e competências nessa área.
Ao todo são 20 instituições públicas de ensino superior e um centro de pesquisa do MCTI, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), atuando em quatro regiões do Brasil. As pesquisas também já contam com uma primeira rede quântica ligando instituições do Rio de Janeiro e, este ano, a Portaria MCTI nº 8194/2024 instituiu um grupo de trabalho com objetivo de propor as bases diretrizes para uma iniciativa brasileira para as tecnologias quânticas.
Coordenador do Centro de Componentes Semicondutores e Nanotecnologias (CCSNano) da Unicamp e do Programa de Tecnologias Quânticas (QuTIa) da Fapesp, o professor da Unicamp, Gustavo Wiederhecker, relatou pontos trazidos das reuniões temáticas da 5CNCTI, como a ideia de aplicar as tecnologias quânticas a áreas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
Nesse caminho, essas tecnologias teriam aplicações como a otimização de fertilizantes e saúde do solo e plantas, sensores quânticos não-invasivos para aplicações em saúde, monitoramento de aquíferos, otimização de redes de distribuição de energias limpas e algoritmos quânticos para dinâmica de fluidos relacionados ao combate às mudanças climáticas.
Wiederhecker também registrou o avanço da infraestrutura construída no país nessa temática, viabilizada nacionalmente pelos Institutos do Milênio, depois pelos INCTs, que tiveram duas versões dedicadas a tecnologias quânticas. No estado de São Paulo, destaca investimentos nos centros de pesquisa e inovação e difusão, o programa de desenvolvimento da internet avançada, com uma rede experimental de fibras ópticas conectando universidades e INCTs.
O pesquisador destaca parcerias como a fechada entre CBPF e Unicamp, que permitiu desenvolver um chip supercondutor capaz de gerar o elemento fundamental da computação quântica: o Q-bit ou o bit quântico. O professor da Unicamp destacou outras iniciativas nacionais relevantes já existentes, como a de uma startup da Embrapa Instrumentação, que desenvolveu um robô que usa pequenas pulsações de laser para fazer análise dos elementos químicos do solo. E, no setor bancário, apontou investimentos do Itaú e Bradesco voltados ao uso de algoritmos quânticos para a análise de portfólios de ações e investimentos.
No mundo, Wiederhecker apresentou dados de que os investimentos em tecnologias quânticas já somam US$ 42 bilhões. Apesar dessa discrepância de investimentos, segundo ele, há espaço para competir nessa corrida. Destacou a iniciativa da Fapesp que coordena, o Programa QuTIa, que tem previsão de investimentos de R$ 150 milhões no prazo de 5 anos. “Não há tecnologia quântica sem uma infraestrutura de Laboratórios sólidos, fábricas de semicondutores, plataformas de testes e treinamento”, conclui.
A capacitação de profissionais especializados é um dos pontos indicados pelos especialistas para o desenvolvimento das ciências e tecnologias quânticas no Brasil. Foi em Salvador (BA) que surgiu uma primeira instituição com esse fim, o QuIIN – Quantum Industrial Innovation, primeiro centro de competência em tecnologias quânticas do Brasil, criado no Cimatec, em Salvador (BA), com investimento estratégico da Embrapii e do MCTI. A coordenadora do QuIIN e professora associada do Senai Cimatec, Valéria Loureiro da Silva, apresentou no Painel a iniciativa.
“Voltado à especialização em Comunicação Quântica, o curso de pós-graduação tem uma parte científica voltada à criptografia quântica e abrange também a capacitação em associação tecnológica, voltando-se à promoção de um ecossistema de startups, envolvendo também as ICTs, nas áreas onde essa tecnologia mostra que tem um mercado potencial importante para o país”, sintetiza a coordenadora.
O professor do Instituto de Física da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador da Rede Rio Quântica, Antonio Zelaquett Khoury, ressaltou o desenvolvimento da primeira rede física de comunicação quântica, que liga instituições parceiras. A ligação por fibra óptica conecta PUC-Rio, CBPF, UFRJ e IME, no RJ, enquanto a UFF, em Niterói, se conecta ao CBPF por laser.
“A ligação inicial era para conectar grupos de óptica e informação quântica que atuavam na região metropolitana do Rio, mas, com a conexão física vieram novos objetivos, como estabelecer uma rede de criptografia quântica funcional entre as instituições parceiras e servir de campo de provas para tecnologias desenvolvidas também em outras regiões do país”, explicou Zalaquett.
A Rio Quântica também possui o objetivo de se ligar a outras redes quânticas do país e à rede mundial, chamada de internet quântica. A internet quântica também é objeto de estudo do Grupo de Pesquisa em Redes de Computadores e Comunicação Multimídia (Gercom) da Universidade Federal do Pará (UFPA), coordenado pelo professor Antônio Abelém.
Tendo trabalhado com a internet quântica em seu pós-doutorado, na Universidade de Massachusetts, onde foi criado um centro de referência em redes quânticas nos EUA, Abelém explica que a internet quântica não vem para substituir a internet convencional, mas, para complementá-la em relação a algumas aplicações, como a criptografia e a comunicação com sensores quânticos. O professor também aponta outra funcionalidade dessa internet: a computação quântica cega, que consiste em operar um cálculo em uma nuvem sem que o servidor possa obter informação sobre esse conteúdo, o que descarta qualquer possibilidade de espionagem ou vazamento.
Abelém também alertou para desafios das pesquisas como o alto custo de equipamentos associados à comunicação quântica, como o QKD (dispositivo de distribuição quântica de chaves) que custa em média US$ 300 mil. Entre suas sugestões, o professor defende investimentos para criação de uma Rede Quânticas Nacional experimental, que permitiria a vários grupos desenvolverem algoritmos e protocolos de softwares quânticos.
Fonte: Convergência Digital com informações do MCTI