Mudança climática dobrou a probabilidade de ocorrência de chuvas extremas no Sul do Brasil
As chuvas intensas que atingiram o Rio Grande do Sul e causaram inundações e deslizamentos com destruição sem precedentes foram duas vezes mais prováveis devido às mudanças climáticas. Segundo o estudo rápido de atribuição de causalidade, publicado nesta segunda-feira (3), o fenômeno El Niño contribuiu amplamente para a intensificação das chuvas no período entre 26 de abril e 5 de maio. A análise foi realizada por 13 cientistas climáticos da World Weather Attribution (WWA), incluindo dois brasileiros. O trabalho foi revisado por pares. Participaram cientistas de universidades, organizações de pesquisa e agências meteorológicas do Brasil, Holanda, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos.
De acordo com boletim da Defesa Civil do Rio Grande do Sul desta segunda-feira (3), 172 mortes foram registradas e 42 pessoas seguem desaparecidas em decorrência das chuvas do início de maio. Aproximadamente 580 mil pessoas foram desalojadas e pouco mais de 37 mil ainda estão em abrigos. Dos 497 municípios gaúchos, 475 foram afetados pelas chuvas, ou seja, 95%. A área atingida é equivalente ao território do Reino Unido.
Para compreender o efeito do aquecimento global antrópico, causado principalmente pela queima de combustíveis fósseis, sobre as chuvas no estado gaúcho, os cientistas analisaram dados meteorológicos observados e modelos climáticos que possuem melhor ‘destreza’ para avaliar o clima na região Sul do Brasil. O estudo caracterizou as condições meteorológicas e climáticas vigentes entre 26 de abril e 5 de maio de 2024. Foram avaliadas a probabilidade e a intensidade de fortes chuvas consecutivas em períodos de dez e quatro dias, incluindo a relação com o fenômeno El Niño. Eles compararam o clima atual, que está 1,2°C mais quente considerando a temperatura média global da superfície, com o clima pré-industrial.
De acordo com o estudo, o evento de fortes chuvas foi “extremamente raro”, sendo algo esperado que ocorra uma vez a cada 100 e 250 anos no clima atual. Contudo, sem o aquecimento global, teria sido ainda mais raro. “A probabilidade desses eventos aumentou em um fator de 2, com um aumento de intensidade de 6% a 9%”, relatou o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e autor do estudo, Lincoln Alves, durante a apresentação dos resultados.
A tendência de continuidade de aquecimento, indica que eventos extremos se tornarão mais frequentes e destrutivos. A análise mostra que se a temperatura média global aumentar em 2oC, comparada com os tempos pré-industriais, eventos de precipitação semelhantes podem ser duas vezes mais prováveis do que são hoje.
El Niño – A influência do El Niño também foi analisada. Um dos impactos desse fenômeno natural, que aquece parte das águas superficiais do Pacífico tropical, é o aumento de chuvas no Sul do Brasil. A região já havia sido impactada com fortes chuvas em setembro e novembro do ano passado durante o ápice do fenômeno.
Os pesquisadores confirmaram que o El Niño desempenhou um papel importante no evento extremo registrado no Rio Grande do Sul. Nas observações realizadas, em comparação com uma fase neutra, o atual El Niño resultou em um aumento consistente em todos os conjuntos de dados e para os eventos de 4 e 10 dias consecutivos de chuvas.
“As condições de El Niño resultaram em um aumento de três vezes na probabilidade e um aumento de 7% na intensidade desses eventos em comparação com condições neutras”, afirmou Alves. “Ambos os fatores [mudanças climáticas e El Niño] tiveram um fator decisivo para aumentar a magnitude e intensidade. Não tem como separar os impactos”, concluiu.
Segundo a pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e autora do estudo, Regina Rodrigues, entre o final de abril e início de maio, apesar de o El Niño apresentar sinais de enfraquecimento nas temperaturas superficiais no Pacífico, os impactos na atmosfera continuaram. Rodrigues lembrou de evento semelhante que ocorreu em julho de 1983 em Santa Catarina.
A pesquisadora destacou ainda que, desde 2014, não houve anos neutros, havendo revezamento entre La Niña, resfriamento das águas do Pacífico, e El Niño. “Isso é típica influência da mudança climática no ciclo ENSO [El Niño-Southern Oscillation]. Múltiplos anos de La Niña e El Niño mais forte”, explicou a pesquisadora. “As mudanças climáticas estão ampliando o impacto do El Niño no Sul do Brasil, tornando um evento extremamente raro mais frequente e intenso”, afirmou.
Redução de emissões e adaptação à mudança do clima – Os pesquisadores alertaram para que autoridades reconheçam que o clima já mudou e para a necessidade de medidas efetivas de redução de emissões de gases de efeito estufa e de adaptação à mudança do clima. “O impacto devastador de tais eventos extremos nos sistemas humanos só pode ser minimizado com adaptação suficiente, incluindo infraestruturas de proteção contra inundações bem conservadas e planeamento urbano adequado”, afirmou Rodrigues.
Análise dos últimos 60 anos mostram que houve alterações nas tendências de precipitação, temperatura e número de dias com ondas de calor no Brasil. “Este estudo de atribuição confirma que as atividades humanas contribuíram para eventos extremos mais intensos e frequentes, destacando a vulnerabilidade do país às alterações climáticas. É essencial que os decisores e a sociedade reconheçam esta nova normalidade”, disse Alves.
Na avaliação do coordenador-geral de Ciência do Clima do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Márcio Rojas, o estudo de atribuição sobre o episódio no Rio Grande do Sul reitera que a mudança do clima é uma “preocupação do presente”. “Já estamos lidando com as consequências de um mundo 2oC mais quente quando comparado com o período pré-industrial. Investir em mitigação e em adaptação é imprescindível para pouparmos vidas, preservarmos infraestruturas e contermos perdas econômicas as mais diversas”, afirmou.
Sobre a WWA – A World Weather Attribution é uma colaboração internacional que analisa e comunica a possível influência das mudanças climáticas em eventos climáticos extremos, como tempestades, chuvas extremas, ondas de calor e secas. O grupo executou mais de 70 estudos sobre eventos climáticos extremos em todo o mundo. O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) incluiu pesquisas da WWA no Sexto Relatório de Avaliação. No ano passado, o grupo analisou a seca histórica na Amazônia e concluiu que a mudança do clima deixou o fenômeno 30 vezes mais provável.
Acesse a íntegra do estudo neste link.
Fonte: MCTI