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Laboratório no IFRJ de Paracambi ajuda a desvendar a veracidade de obras de arte falsificadas - Consecti

Laboratório no IFRJ de Paracambi ajuda a desvendar a veracidade de obras de arte falsificadas - Consecti

Giro nos estados
12 abril 2023

Laboratório no IFRJ de Paracambi ajuda a desvendar a veracidade de obras de arte falsificadas

Uma pintura pode revelar, por trás da beleza artística, pistas de atividades ilícitas, como crimes de estelionato, violação de direitos autorais, corrupção, lavagem de dinheiro e até formação de quadrilha. Estima-se que cerca de 20% das obras de arte que circulam nos principais centros do País – São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte – são falsas e que, no mundo, pelo menos 30% das obras de arte são falsas ou têm autorias atribuídas erroneamente. Colocando a ciência a serviço da análise de obras de arte, o Laboratório Móvel do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) – campus Paracambi (cidade localizada na região metropolitana, a cerca de 76 km da capital fluminense) vem se destacando como um centro pioneiro no Brasil, por ser voltado especificamente à caracterização físico-química de pinturas a óleo.

O Laboratório Móvel é o único no País a trabalhar com tecnologias aplicadas exclusivamente a investigações científicas e perícias de obras de arte. “Utilizamos técnicas de análises físico-químicas e exames de imagens para caracterizar os materiais presentes nas obras, como pigmentos de tinta orgânicos e inorgânicos, aglutinantes e vernizes. Estamos também desenvolvendo um banco de dados com informações sobre os materiais identificados em obras de arte autênticas, de pintores brasileiros que são referência histórica, para fins comparativos com obras suspeitas de falsificação. Essas investigações auxiliam na resolução de problemas ligados à conservação e restauro das obras e contribuem na investigação forense da veracidade de pinturas”, disse o professor Renato Pereira de Freitas, coordenador do laboratório, que desenvolve seus estudos com apoio da FAPERJ, por meio do programa Jovem Cientista do Nosso Estado.

Em parceria com o Instituto Carlos Éboli (ICCE/Polícia Civil), Freitas coordena um projeto voltado à implantação de métodos de investigação de obras de arte no estado do Rio de Janeiro para a emissão de laudos forenses. O projeto foi contemplado pela FAPERJ por meio do edital Apoio a Projetos de Inovação no Campo da Segurança Pública – Ciências Forenses, e também pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Entre os desdobramentos dessa parceria, que teve início em 2021, ganhou amplo destaque na mídia a Operação Sol Poente, realizada pela Polícia Civil em 10 de agosto de 2022, com suporte técnico do IFRJ Paracambi. Durante esse trabalho, a equipe desmantelou uma quadrilha envolvida na extorsão, roubo e estelionato de obras de arte no Rio, incluindo quadros da pintora modernista Tarsila do Amaral – a artista brasileira de maior valor pecuniário no mercado internacional de arte.

A operação foi assim denominada em alusão ao quadro intitulado “Sol Poente”, um dos mais valiosos de Tarsila, datado de 1929 e estimado em R$ 2,5 milhões. Ele foi descoberto pela Polícia debaixo da cama de um apartamento em Ipanema, Zona Sul do Rio, junto a outras obras roubadas, incluindo tesouros culturais assinados por Di Cavalcanti e Cícero Dias. Os objetos pertenceram ao marchand e colecionador de arte Jean Boghici, falecido há sete anos, e foram herdados pela sua viúva, de 82 anos, que sofreu um golpe envolvendo uma quadrilha que se uniu à própria filha do casal. Mantida em cárcere privado, a idosa teve seus bens roubados, incluindo as obras de arte, joias e relógios Rolex, avaliados em mais de R$ 6 milhões. Os quadros encontrados na operação estavam prestes a ser comercializados. Como consequência, foi decretada prisão da filha e de integrantes da quadrilha.

Freitas durante o trabalho de escaneamento da obra Le Manteau Rouge, de Tarsila do Amaral (Foto: Divulgação/IFRJ)

O chefe do Serviço de Perícias de Merceologia do ICCE, Nilton Thaumaturgo, explicou que a Seção de Merceologia Forense é o setor da Polícia Civil voltado a investigações de crimes relacionados a bens de consumo de luxo, como artefatos históricos, joias, metais nobres, antiguidades e obras de arte. “Durante muito tempo não tínhamos qualificação nem equipamentos para fazer perícias específicas em obras de arte, mas isso mudou desde que estabelecemos esse projeto junto com o IFRJ Paracambi em 2021, quando fomos contemplados pela FAPERJ, por meio do edital de apoio à Segurança Pública – Ciências Forenses. Hoje somos a única Polícia no Brasil, entre as Polícias Civil e Federal, capaz de identificar, autenticar e avaliar esses bens por meio dessa metodologia desenvolvida, incluindo obras de arte, trazendo um retorno eficaz tanto para a Polícia quanto para a Justiça”, destacou. Outro resultado da parceria entre o IFRJ e o ICCE foi o laudo pericial de outra operação, envolvendo a análise de veracidade de obras de arte falsificadas e que estavam sendo atribuídas a três importantes artistas brasileiros modernistas (Ivan Serpa, Iberê Camargo e Ismael Nery), para um suposto leilão virtual. Este laudo foi laureado com o segundo lugar no 5º Prêmio Destaque Forense, de 2022, na categoria “Melhor Laudo de Perícia Criminal” do Brasil. O Prêmio é expedido pela Sociedade Brasileira de Ciências Forenses.

Thaumaturgo contou como foi trabalhar em parceria com a equipe do IFRJ Paracambi na Operação Sol Poente. “Fomos convocados ao imóvel onde as obras de arte suspeitas estavam escondidas, em Ipanema. Os quadros foram apreendidos e levados pela Polícia para outro local seguro, onde trabalhamos minuciosamente junto ao Renato e à equipe do Laboratório Móvel, durante dois meses”, detalhou. “Quando a Operação Sol Poente foi realizada, já tínhamos estabelecido a parceria há mais de um ano. Ao longo desse tempo, eles elaboraram um curso de extensão universitária e nove peritos fizeram esse curso, inclusive eu, o que foi um diferencial para nossa qualificação”, completou. A perita Cláudia Souza, coordenadora do projeto de obras de arte pela Polícia Civil, também integrou a operação.

Freitas destaca que a grande vantagem é que as técnicas desenvolvidas e utilizadas pelo Laboratório Móvel são não invasivas. “Todo o procedimento é feito a uma pequena distância, sem precisar tocar na tela, preservando assim a integridade das obras de arte. Esse é um quesito importante, pois as técnicas tradicionais exigem um contato direto com partes da obra, o que pode causar pequenos danos”, completou. Os equipamentos também são portáteis, e são levados ao local em que a obra está, seja uma galeria de arte ou museu. “Por isso o nome Laboratório Móvel. Já viajamos a vários museus do País para fazer análises, em convênio com o Ibram, o Instituto Brasileiro dos Museus”, disse o pesquisador, que se qualificou em investigação de artefatos do Patrimônio Cultural no mestrado e doutorado em Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e aprofundou sua experiência nesse campo de estudo específico durante seu estágio de pós-doutorado no Laboratório Móvel da Itália, ligado ao Instituto de Ciência e Tecnologia Molecular, sediado na Universidade de Perugia.

Entre os equipamentos empregados, estão o aparelho de espectrometria por Raios-X e por infravermelho. “O Raios-X faz uma análise dos elementos químicos de cada tinta utilizada pelo pintor. Podemos ver a composição, se tem chumbo, bário, por exemplo. Outro equipamento utilizado é a espectrometria por infravermelho, que é pontual, faz uma análise localizada na pintura, indicando as moléculas orgânicas que compõem os vernizes, os aglutinantes das tintas, se são feitos, por exemplo, de gema de ovo, cola de coelho, óleo, entre outros materiais usados ao longo da história pelos artistas. E utilizamos também um equipamento de scanner, que faz um macroescaneamento por Raios-X, investigando de forma geral toda a obra e revelando quais elementos químicos estão presentes ali”, detalhou Freitas. “Também analisamos o quadro com o auxílio de um microscópio óptico adaptado, capaz de indicar o tipo de pincelada, o movimento que o pintor fez durante sua criação. Cada pintor tem um estilo próprio que se reflete nas suas pinceladas. No caso da investigação forense o que fazemos é comparar os dados obtidos nas análises das obras suspeitas com as autênticas do mesmo pintor. Esse método foi empregado nas obras da Tarsila, em que observamos similaridades dos resultados das análises das obras apreendidas na operação com pinturas autênticas da pintora, encontrados no acervo de museus”, acrescentou.

O próximo passo, adianta Freitas, é a implantação de um curso de pós-graduação no IFRJ de Paracambi para difundir e capacitar peritos e pesquisadores exclusivamente para a análise de obras de arte, inclusive para a área forense. “É uma área que tem poucos pesquisadores. Alguns trabalham com esse tema, mas desconhecemos outro laboratório com dedicação exclusiva a essa linha de estudo no Brasil. Será um polo de conhecimento inovador nesse sentido e importante para a interiorização da pesquisa no estado do Rio de Janeiro, pela sua originalidade”, disse Freitas. “Além da área de perícia forense, esse conhecimento pode ser empregado na conservação e restauração de obras de arte em geral, para cuidar do nosso patrimônio cultural”, concluiu.

Fonte: Faperj