Projeto monitora saúde das formações coralíneas únicas em Búzios
Avaliar a saúde para melhorar o estado de conservação das formações coralíneas localizadas no município de Armação dos Búzios, na Região dos Lagos do estado do Rio de Janeiro. Esta é uma das propostas do Ecorais, um projeto de monitoramento da biodiversidade marinha que reúne pesquisadores de diferentes instituições e é coordenado pelo Instituto Brasileiro de Biodiversidade (BrBio). O trabalho, iniciado no ano 2000, antes mesmo da criação do BrBio, é uma das mais longevas iniciativas brasileiras que inclui acompanhamento dos ambientes coralíneos, subsídios técnicos a órgãos públicos para ações de conservação marinha e costeira, parcerias com empresas e instituições públicas e um programa de educação ambiental voltado a professores, estudantes, comunidade local, turistas e operadores de turismo.
Desde 2009, Búzios possui uma área marinha protegida, o Parque Natural dos Corais e a Área de Proteção Ambiental Marinha, onde ações para ordenar a pesca e a atividade turística deveriam ser prioridades, assim como a mitigação dos impactos causados pelas atividades humanas. O objetivo é conservar a fauna e flora marinha do município, que abriga importantes espécies brasileiras, com destaque para o coral-estrelinha (Siderastrea stellata) e o coral-cérebro (Mussismilia hispida). Para isso, é fundamental a realização de estudos e ações de conservação de forma constante, visando sobretudo preparar melhor para enfrentar a mudança do clima que traz eventos climáticos mais frequentes e extremos, com aquecimento e maior acidez da água do mar, além do aumento do nível do mar.
Os corais vivem em simbiose com microalgas fotossintetizantes, que dão a eles coloração e fornecem compostos orgânicos importantes para nutrição e crescimento. Com a elevação da temperatura do mar, as microalgas produzem substâncias reativas e acabam sendo expulsas, o que resulta no branqueamento dos corais. “Com a saída das algas, parte da fonte de energia dos corais vai embora. Mas elas voltam com o resfriamento da água. O branqueamento em si não mata os corais”, explica Lélis Antonio Carlos Júnior, professor do Departamento de Biologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e consultor do BrBio. Segundo ele, os episódios de aquecimento que ocorriam com intervalos de 20 anos ou mais, agora são mais frequentes. Nos últimos 26 anos, ocorreram pelo menos cinco eventos. O pior deles em 2019. É esse perigoso aumento na ocorrência e intensidade dos eventos de branqueamento que vêm prejudicando a saúde dos corais e elevando os níveis de mortalidade observados.
Pesquisadores fizeram uma série de avaliações das colônias localizadas em Búzios. Necessidade de mecanismos de proteção |
Entre 2000 e 2024, o trabalho de campo se deu em diferentes frentes. Dentre as pesquisas, realizou-se a avaliação da saúde, do branqueamento, mortalidade e de parâmetros demográficos dos corais. “De uma forma geral, os corais têm se recuperado do processo de branqueamento. No entanto, as colônias vêm diminuindo em tamanho e em incidência. No caso da Mussismiliahispida o cenário é desalentador. A média do tamanho dos corais caiu de forma vertiginosa. Portanto, é urgente criar mecanismos de proteção”, destaca Lélis Júnior, doutor em Ecologia e Evolução. Além disso, foram também realizadas avaliações genéticas e moleculares da diversidade das microalgas. Esses estudos, inéditos para a região, foram liderados pelas pesquisadoras Carla Zilberberg e Amana Garrido da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Em uma outra frente, os pesquisadores fizeram o levantamento de indicadores ambientais e da saúde dos ambientes formados por corais. “A equipe do BrBio havia desenvolvido um protocolo para avaliação do estado dos recifes rochosos para um projeto da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Essa metodologia foi adaptada para o Ecorais”, relata Fernanda Araujo Casares, pesquisadora do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes (Ibrag) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e consultora do BrBio, que esteve em Búzios na terceira fase do Projeto, entre 2016 e 2019, para obtenção dos dados de pesquisa para avaliação da saúde marinha.
Foram medidos parâmetros biológicos e ambientais, que ajudam a avaliar o impacto da atividade humana, como o número de pessoas nas praias da Tartaruga, dos Ossos e João Fernandes, onde estão as principais colônias de corais; o percentual de áreas urbanizadas; os números de quiosques, de canos de esgoto e de píeres; assim como o de barcos parados e em movimento. “Os dados desses dois grupos foram reunidos em um índice, que serve de subsídio para o desenvolvimento de estratégias de gestão ambiental”, explica Fernanda, doutora em Ecologia.
“Em termos de impacto, os índices são mais ou menos similares aos registrados anteriormente nos mesmos locais. A área mais impactada pela ação do homem é o trecho esquerdo da Praia dos Ossos e a menos afetada é a Praia da Tartaruga. Já em relação aos aspectos biológicos, foram avaliadas a diversidade e a singularidade das espécies. De uma forma geral, quando integramos os aspectos biológicos aos associados à atividade humana, vemos que a situação é regular na maior parte das áreas. O lado esquerdo da Tartaruga é o que apresenta o melhor estado de conservação. Já João Fernandes é a que está em pior estado”, detalha Fernanda.
Os pesquisadores Lélis Júnior e Fernanda Casares. Equipes trabalharam em diferentes frentes, como o levantamento de parâmetros demográficos e de indicadores ambientais |
Para construir esse quadro comparativo, as informações foram cotejadas com uma série de dados que começou a ser coletada em 2000, pela bióloga marinha Simone Siag Oigman Pszczol, durante seu Mestrado, na Uerj. Foi a pesquisadora quem iniciou o monitoramento que resultou na criação do Projeto Ecorais. “A FAPERJ teve um papel-chave no Projeto por ter financiado parte da pesquisa, logo no seu início, na Uerj, assim como outros financiadores. Essa soma de esforços e recursos é que permite que os projetos sejam longevos, promovam conexões significativas, fortalecendo laços sociais e ambientais para juntos construirmos soluções adaptadas às necessidades locais.”, afirma Simone, diretora-executiva do BrBio.
O trabalho cresceu, foram realizados outros projetos e, em 2013, foi fundado o BrBio, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), cujo Conselho Consultivo é presidido pelo artista e ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil e diversos conselheiros da área acadêmica, empresarial e ambiental. O instituto busca envolver pesquisadores, população, gestores públicos e empresários em projetos voltados à conservação do oceano, das áreas costeiras e da biodiversidade marinha. “O BrBio foi criado a partir do reconhecimento da distância que existe entre a Ciência e a Sociedade e da necessidade de as pessoas se aproximarem da natureza para que possam compreendê-la e conservá-la. A instituição nasceu exatamente para fazer essa ponte e promover conexões transformadoras”, destaca Simone, pós-doutora em Ecologia e Evolução pela Uerj.
Para encurtar essa distância, o Instituto realiza parcerias com os setores público e privado, como o Projeto Passaporte Ambiental Carioca: conexão costeira em ação, criado em 2023, em parceria com a Prefeitura do Rio de Janeiro. “A iniciativa estimula a visitação às unidades de conservação, a partir de um circuito turístico cuidadosamente selecionado, com um olhar voltado para as espécies, tanto terrestres quanto marinhas, de forma a estimular a cultura oceânica e a conservação da biodiversidade. A intenção é dar maior atenção a essas áreas protegidas e despertar uma relação de coexistência entre moradores e visitantes com essas importantes regiões, gerando vínculos e conexões”, detalha Simone. “O Passaporte Ambiental Carioca nasceu da vivência do Ecorais em Búzios e está inserido no Programa Turismo Azul, que envolve trabalhar junto a rede hoteleira, como forma de estimular o turismo sustentável e regenerativo”, explica.
Entendendo que todos os segmentos da comunidade estão relacionados, de uma forma ou de outra, às questões ambientais e que, portanto, devem participar da solução dos problemas socioambientais, o BrBio promoveu cursos de qualificação ambiental para professores da Rede Municipal de Búzios, exposições de arte com o tema da biodiversidade marinha da região e campanhas para barqueiros, turistas, moradores, crianças e jovens estudantes e o público em geral alcançando diretamente 4 mil pessoas e indiretamente mais de 20 mil pessoas.
Diretora-executiva do BrBio, Simone Pszczol (esq.) deu início à coleta de dados sobre os corais, em 2000. Já a bióloga Camila Meireles participou da equipe de educação ambiental |
“Em 2019, quando o Ecorais contava com patrocínio do Funbio, realizamos cursos e formação complementar sobre cultura oceânica para os professores da rede municipal. O termo literacia oceânica na ocasião ainda não era conhecido e criamos um livreto de biodiversidade e educação ambiental marinha e costeira em parceria com os pesquisadores. Foram tratados temas sobre a conservação marinha, ambientes coralíneos, educação ambiental crítica e estratégias para o ensino formal e não formal. A proposta era mergulhar nas escolas com questões-chave sobre o oceano para despertar uma boa relação e a conduta consciente”, conta a bióloga Camila Meireles, doutora em Biologia Marinha e Ambientes Costeiros pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e consultora do BrBio, que participou da equipe de educação ambiental.
Foram realizadas aulas teórico-práticas e uma trilha interpretativa subaquática na Praia dos Ossos. Lá foi possível observar os tentáculos das gorgônias, conhecidas como orelhas de elefantes, mexendo e os professores conseguiram ver o coral como um animal e não apenas a estrutura calcárea dele”, explica Camila. “A parceria com a Secretaria de Educação de Búzios nos permitiu levar a temática da cultura oceânica para todas as escolas públicas do município. Os professores se tornaram multiplicadores deste conhecimento, trabalhando o tema nas suas diferentes frentes, não só em Biologia, mas em Matemática, História e Geografia”, conclui Simone Pszczol.
Em 2024, o BrBio deu início ao projeto Mar é Nosso, iniciativa que incentiva uma educação transformadora, promove a Cultura Oceânica nas escolas e nas universidades e inspira ações concretas em prol dos oceanos, preparando alunos e sociedade para se engajarem urgentemente na sustentabilidade, azul e verde. Uma parceria cada vez mais necessária para preservação dos corais, da biodiversidade marinha e de uma vida mais saudável no planeta.
Fonte: Faperj